Opinião

O censo da advocacia

A doutrina com profundidade de estudo deu adeus à formação jurídica no país, e a superficialidade é a regra

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JOÃO HUMBERTO MARTORELLI

Publicado em 30/04/2024 às 16:28 | Atualizado em 30/04/2024 às 16:29
Notícia

Saiu o primeiro estudo demográfico da advocacia brasileira, promovido pelo Conselho Federal da OAB e realizado pela Fundação Getúlio Vargas com o braço executivo do IPESP. Robusto e aparentemente completo, o diagnóstico pode ser resumido nas palavras de alguns de seus apresentadores, que, a seguir, transcrevo.

A análise dos dados obtidos aponta que a profissão é majoritariamente feminina: 50% de mulheres, 49% de homens e 1% pertencente a outras identidades de gênero. Quanto à faixa etária, a maior parcela é constituída por pessoas entre 24 e 44 anos, totalizando 55%. De acordo com o estudo, 33% estão inscritos na OAB há menos de um quinquênio, enquanto 33% exercem tal mister há mais de 15 anos. Em 46% dos casos, a atuação ocorre nas capitais e regiões metropolitanas. As respostas indicam que 72% atuam como autônomos, entre os quais 51% estão no regime de home office. A renda individual auferida por 45% dos participantes compreende entre 2 e 10 salários mínimos. No entanto, chama a atenção o fato de que 26% desempenham outra atividade profissional. O ramo com a maior concentração de advogados é o Direito Civil, que, em termos gerais, atingiu o montante de 26%. Se forem somados a esse número os itens da pesquisa referentes aos subtópicos dessa área do Direito, por exemplo, Família e Sucessões, que isoladamente obteve 14%, chega-se à conclusão de que cerca da metade dos patronos no Brasil é formada por civilistas. Em seguida, estão o Direito Trabalhista e o Previdenciário, com 12% e 11%, respectivamente.

Apesar de ser maioria, a mulher advogada tem obstáculos para alterar suas condições de vida, na medida em que as relações de gênero moldam os tipos de ganhos, de ascensão e de reconhecimento na estrutura laboral.

Com a perspectiva étnico-racial, é possível observar o lugar social ocupado pelas pessoas negras, definido por um processo histórico de desumanização. Isso se materializa, por exemplo, em desigualdades na renda, na educação, na saúde e no trabalho. Os dados do CNA sobre a identidade étnico-racial dos advogados e advogadas brasileiras ilustram o modelo organizacional das instituições do sistema de justiça majoritariamente branco, conforme já demonstrado em pesquisas do CNJ e em outros estudos. Os brancos são maioria dos inscritos na Ordem, com 64,67%; negros somam 33,32% – 26,66% pardos e 6,66% pretos; amarelos são 1,56% e indígenas, 0,47%.

Chamou-me a atenção a fonte das informações dos advogados: sítios eletrônicos, em sua quase totalidade (91%). A doutrina com profundidade de estudo deu adeus à formação jurídica no país, e a superficialidade é a regra.

Faltou incluir a visão dos advogados em relação ao conceito de justiça. Não se pratica mais advocacia com sacralidade, e a pesquisa daria 90% de desconhecimento sobre o nome da deusa da justiça. Homens e mulheres de toga não mais recebem tratamento respeitoso. Nem mesmo as petições contêm mais o “respeitosamente” e as vênias. Curioso para saber a origem da dessacralização, embora me pareça que o Poder Judiciário, com sua avidez corporativa, morosidade, espetáculos, jantares e seminários cheios de favores da iniciativa privada tenha uma grande parte da responsabilidade. Tempos modernos também, em que o dinheiro assume dimensão de valor espiritual.

João Humberto Martorelli, advogado

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