OPINIÃO

Ideologia e janela partidária

Em tempos recentes o Parlamento federal encetou medidas contraditórias na esfera legiferante

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MAURÍCIO COSTA ROMÃO

Publicado em 30/04/2024 às 5:00
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Já se incorporou à paisagem política brasileira a natureza inorgânica do quadro partidário local e sua explícita sustentação pragmática em conveniências eleitorais.

Em tempos recentes o Parlamento federal encetou medidas contraditórias na esfera legiferante para lidar com esse quadro: de um lado, pôs termo às coligações proporcionais, instrumento anabolizador do anacronismo partidário vigente, dando esperanças de que se operaria uma promissora lipoaspiração na área, em termos de número e fragmentação.

De outra senda, ao revés, promoveu, a parcial volta camuflada das coligações, via federação de partidos, e instituiu a janela partidária, iniciativas colidentes com o aperfeiçoamento do sistema de siglas políticas no Brasil.

No caso da janela, trata-se da institucionalização legalizada da infidelidade partidária, na contramão da formação de partidos mais sólidos e vertebrados programaticamente. Pelo mecanismo, seis meses antes de cada pleito, e pelo prazo de 30 dias, os parlamentares podem mudar de legenda sem perigo de perder o mandato.

Ora, a grande maioria dos parlamentares migra por interesses eleitorais, quer dizer, buscando guarida em agremiações que oferecem “chapa” para reeleição, e/ou cavando espaço em legendas da base do governador ou prefeito, ou de seus indicados na disputa majoritária, ou, ainda, nas hostes de pré-candidaturas oposicionistas potencialmente competitivas.

E o fazem, escusadas as exceções de praxe, independentemente da configuração programático-ideológica da sigla de destino e do arco de alianças em que ela se insere na peleja majoritária. O objetivo é a reeleição. O troca-troca de legendas escancara a desconfiguração ideológica que campeia na matriz partidária brasileira.

Diante de tal contexto, não faz muito sentido classificar os partidos brasileiros por posições ideológicas (impende traçar aqui um paralelo com o que disse o coronel Aureliano Buendía em Cem Anos de Solidão: “a diferença entre liberais e conservadores em Macondo era a de que os liberais iam à missa das cinco e os conservadores iam à missa das sete...”.

Ainda assim, dispensada qualquer higidez metodológica, e usando conhecida tipologia de espectros ideológicos dos partidos políticos brasileiros (UFPR: “Esquerda, centro ou direita? Como classificar os partidos no Brasil”, nov 2020), pode-se rotular os Legislativos brasileiros como sendo predominantemente de direita. As janelas partidárias têm acentuado esse perfil, mas não por questões de acomodação programática dos migrantes, e sim por mera preservação de mandatos.

De fato, na janela de 2022, quando 30% dos deputados trocaram de legenda no Legislativo federal, os partidos de direita abrigavam nada menos que 72% dos parlamentares antes da janela e 76% depois. A esquerda regrediu de 26% para 21% e o centro de 2,5% para 2,3%.

A recente matéria de J. P. Pitombo (FSP, 19/4/2024) sobre a janela partidária nas capitais brasileiras neste ano de 2024, mostrou que praticamente um em cada três vereadores das capitais se aproveitou da permissividade constitucional da janela. Nada menos que 230 vereadores em um total de 816 trocaram de sigla.

O campo da direita, com maior número de vereadores, incrementou sua participação no total, indo de 70% para 72%, antes e depois da janela, a esquerda manteve os mesmos 23% de vereadores, e o conjunto do centro, passou de 6% para 4%, no saldo da movimentação.

À míngua de evidências sobre os Legislativos dos estados da federação, e dos demais municípios, é lícito inferir, todavia, que em tais espaços de representação predominam parlamentares agregados a legendas de direita e que as movimentações nas janelas partidárias não guardam relação com o fluido espectro ideológico reinante.

Maurício Costa Romão é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.

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