Costumes

Cartas escritas à mão estão se tornando relíquias

Para a artista plástica Tereza Costa Rego escrever à mão é uma delicadeza

Cleide Alves
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Cleide Alves
Publicado em 26/04/2015 às 8:08
Fotos: Sérgio Bernardo/JC Imagem
Para a artista plástica Tereza Costa Rego escrever à mão é uma delicadeza - FOTO: Fotos: Sérgio Bernardo/JC Imagem
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Qual foi a última vez que você escreveu uma carta? Não estou falando de mensagens trocadas por e-mail, facebook ou whatsapp. Mas daquela correspondência escrita à mão, com caneta, em folhas de papel e letra caprichada.

Eu, confesso, há tempos perdi esse hábito, seduzida que fui pelo apelo instantâneo do correio eletrônico. Sabe quantas cartas não comerciais e sociais são postadas nos Correios, por ano, no País?

Em 2013 a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos registrou 186 milhões de postagens de cartas desse tipo. O número caiu para 131 milhões em 2014. Enquanto isso, foram postadas 6,723 bilhões de cartas comerciais em 2013 e 6,869 bilhões em 2014.

Que o e-mail é uma mão na roda quando a gente tem pressa, ninguém duvida. Mas a carta é diferente. Foi isso o que ouvi de Tereza, Luzilá e Djanira. Deixa eu te contar o que elas me falaram sobre o ritual de escrever cartas e frequentar os Correios.

Tereza (Costa Rego), a artista plástica da Rua do Amparo, na Cidade Alta de Olinda, tem mania por carta e guarda todas que recebeu da avó (endereçada à Senhorinha Terezinha), dos tios, das filhas e do companheiro num baú.

“A carta, para mim, é como se fosse um quadro. Você bota um pouco de você ali. No e-mail não se toca e eu sou uma pessoa muito tátil. Afora isso, escrever à mão é uma delicadeza”, disse ela, abrindo a nossa conversa. 

A bem da verdade, nem todas as correspondências estão no baú. Cartas de amor que ela trocou com o inseparável companheiro (já falecido) quando ele estava detido em São Paulo, na época da ditadura militar, foram usadas num dos seus trabalhos. “Colei no suporte e pintei por cima.”

Para nós, apreciadores da arte, é uma homenagem ao amor perdido. Para Tereza é uma forma de se apropriar dos textos que pertencem a ela e a mais ninguém. “Tenho mais de 50 cartas de Diógenes (Arruda Câmara, 1914-1979, militante comunista)”, continuou a conversa.

Advinha o que ela vai fazer com tudo isso? Um travesseiro para colocar sob a cabeça e levar ao túmulo. A filha, aliás, já está ciente desse desejo. “Todas as cartas de amor são ridículas, como disse Fernando Pessoa (poeta português, 1888-1935, com o heterônimo Álvaro de Campos). Vou embora assim, ridícula com minhas cartas de amor.”

Claro que ela não escreve aos amigos e parentes com a mesma frequência de antes. “Hoje não se usa mais esse tipo de correspondência. Mas eu sou uma mulher do século 19. Tenho um e-mail que meu neto administra. Ele lê e eu respondo à mão. É um prazer maior receber uma carta.” 

Luzilá (Gonçalves Ferreira), escritora e pesquisadora da alma feminina na literatura, tem o mesmo apreço pelas cartas escritas de próprio punho. “O e-mail é prático, mas todo um mundo de intimidade, revelação pessoal e confissão de amizade está se perdendo. São coisas que não se bota num computador”, alertou, enquanto me dizia da sua relação com as cartas.

“Um pesquisador, Cleide, encontra referências da vida de escritores pelas cartas que eles escreviam e recebiam”, emendou sua explicação, citando as correspondências entre o poeta de língua alemã Rainer Maria Rilke (1875-1926) e a amada Lou Salomé (1861-1937), intelectual de origem russa.

Não foi à toa que o escritor francês André Gide (1869-1951) ficou inconformado quando soube que a prima e ex-mulher, Madeleine Rondeaux Gide, com quem foi casado de 1895 a 1938, queimou todas as cartas que eles trocaram nos tempos de namoro, noivado e matrimônio.

Essa história foi Luzilá, a escritora do Poço da Panela, no Recife, quem contou. “Ela se desfez de tudo ao saber que Gide era homossexual e ele lamentou a destruição de anos de vida e de confissões de amor. A carta, com a letra da pessoa que escreve, é um documento. Guardo as minhas com muito carinho.” Assim ela falou e eu passo adiante.

As correspondências trocadas com o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), o crítico literário Antônio Cândido, o escritor Affonso Romano de Sant’Anna e amigos franceses, Luzilá põe numa caixa. “Tenho correio eletrônico, mas a carta é um exemplar único. Escrevo duas a três por mês. E não há o perigo de você mandar para outro remetente por engano, como acontece com o e-mail.”

Você lembra da última vez que entrou numa agência dos Correios para postar uma carta? Djanira (Oliveira Aguiar), professora em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, vai duas vezes por semana, levando 15 envelopes. “Sempre sou olhada com estranheza. É como se eu fosse de outro mundo, porque é difícil a pessoa parar para escrever uma carta nessa vida tão corrida”, revelou, deixando escapar um sorriso.

Na caixinha de correios da casa de Djanira sempre há mais cartas do que contas a pagar. “Fiz o cadastro em um site e me correspondo com gente de várias partes do Brasil, acho legal conhecer outras culturas assim, escrevo quase todos os dias, mesmo sendo conectada pelo whatsapp e facebook. O coração sempre bate mais forte quando se recebe uma carta. Que surpresa virá naquele envelope branco, amarelo e verde?.”

É isso, prezado leitor, já me alonguei bastante e imagino que você tem coisas a fazer. Quem sabe, escrever uma carta!

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