ENTREVISTA

Sri Sri Ravi Shankar: o indiano que tem influenciado a política na América Latina

Intervenções do líder humanitário contribuíram para o cessar fogo dos guerrilheiros da Farc na Colômbia e iniciaram possibilidade de diálogo entre presidente da Venezuela com opositores

João Carvalho
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João Carvalho
Publicado em 04/08/2019 às 13:32
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Intervenções do líder humanitário contribuíram para o cessar fogo dos guerrilheiros da Farc na Colômbia e iniciaram possibilidade de diálogo entre presidente da Venezuela com opositores - FOTO: Divulgação
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SAINT-MATHIEU-DU-PARC, QUÉBEC, CANADÁ - Intervenções do líder humanitário contribuíram para o cessar fogo dos guerrilheiros da Farc na Colômbia e iniciaram possibilidade de diálogo entre presidente da Venezuela com opositores. Ele sugere o que os brasileiros devem fazer para atravessar a fase de crises

O indiano Sri Sri Ravi Shankar, líder humanitário que tem atuado como uma espécie de embaixador da paz pelo mundo, vem contribuindo para a construção de diálogos conciliatórios em nações latino-americanas. 

Sua influência já atingiu diferentes países em situação de conflitos internos e internacionais, como Sri Lanka, Paquistão, Iraque. Recentemente, a atuação desse indiano de 63 anos, fundador da organização internacional Arte de Viver, reverbera também pela América Latina. 

As intervenções do líder humanitário contribuíram para o cessar fogo dos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias (Farc), na Colômbia. Em 2015, Ravi Shankar se reuniu com o presidente daquele país, Juan Manuel Santos, e posteriormente viajou a Cuba para um encontro de três dias com guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), aos quais pediu para seguir o princípio gandhiano da não-violência. No início de julho, o indiano iniciou a articulação para um possível diálogo entre o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, com opositores.

Ainda no último mês, Sri Sri Ravi Shankar esteve no Centro de Estudos e Meditação da Organização Arte de Viver no Canadá, ashram situado na província de Quebec, rodeado por milhares de seguidores de todo o mundo para a celebração do Gurupurnima, cerimônia realizada anualmente com o objetivo de expressar gratidão pelas conquistas, assim como para se refletir sobre novas metas. Na ocasião, ele recebeu o Jornal do Commercio com exclusividade e falou sobre sua crescente influência na política internacional, estratégias para a paz coletiva e interior, e como os brasileiros podem fazer para superar as crises que o país enfrenta.

ENTREVISTA

JORNAL DO COMMERCIO - Aqui no Ashram há pessoas de diferentes países e culturas. Alguns viajaram dias para estar com o senhor. Por que milhares de pessoas estão aqui e o que elas buscam em um líder humanitário?

SRI SRI RAVI SHANKAR - As pessoas, seja qual for a religião ou cultura, utilizam tecnologia. Todos usam carros, todos usam celulares, todos gostam de uma boa comida, não importa de onde venham. Todos gostam de boas roupas. Da mesma forma, todos querem paz interior, querem conforto interior. É por isso que elas vêm até aqui. Espiritualidade é a necessidade comum da qual todo ser humano compartilha e por isso as pessoas vêm. Aqui, elas encontram conforto absoluto e sentem-se felizes.

JC - Como líder humanitário mundial, você tem ajudado países a resolver conflitos internos e internacional, como Colômbia e Venezuela. Qual a melhor saída para se encontrar soluções pacíficas nesses casos? E qual sua impressão da visita à Venezuela?

SRI RAVI SHANKAR - Todos os conflitos são devido à falta de comunicação. Quando a comunicação se rompe, a confiança se quebrada junto e isso é o que dá origem a conflitos. É necessário alguém capaz de ouvir os dois lados e que deseje o bem para todos, para humanidade como um todo. Aí as pessoas ouvem o que você tem a dizer. Então, você é capaz de diminuir as distâncias, reconectar a comunicação e restaurar a confiança. Assim, conflitos podem ser solucionados. Apenas uma pessoa imparcial que tenha uma mentalidade espiritual, desprovida de interesses próprios e que deseje o melhor para a humanidade é capaz de trazer as pessoas para uma conversa com a finalidade de encontrar soluções para conflitos.

A visita à Venezuela foi muito boa. Espero poder encontrar os membros da oposição (ao governo de Nicolás Maduro) muito em breve. Derramamento de sangue não é o caminho para o progresso. Se um venezuelano perde sua vida nesse processo, então não vale a pena. Olho por olho e dente por dente não irá solucionar problemas. Irá apenas piorar. Portanto, devemos deixar o passado e encontrar uma solução amistosa para seguirmos em frente e sermos capazes de ver as coisas em uma perspectiva mais global. É isso que precisamos fazer. Tenho certeza de que as pessoas compreendem isso.

Apenas porque alguém quis se vingar de uma pessoa ou de um grupo, milhões de vidas são afetadas. Milhares de vidas são perdidas. Não é uma coisa inteligente de se fazer. A coisa mais inteligente de se fazer é pensar como podemos alcançar nossos objetivos sem derramamento de sangue.

JC - O Brasil enfrenta também uma crise, relacionada a questões sociais e de valores humanos. Como os brasileiros podem manter a paz na mente para atravessar essa fase?

RAVI SHANKAR - A maior questão que eu percebo no Brasil - assim como na Índia e na Rússia - é a corrupção. Temos que pôr limites à corrupção. A não ser que a corrupção seja controlada e surja um líder forte para levar a nação ao progresso, continuaremos passando por crises. Acho que os brasileiros devem adotar uma posição forte contra o recebimento e a oferta de subornos. Não é apenas aquele que oferece a propina que é responsável. Aquele que recebe é tão responsável quanto. Não se deve aceitar nem oferecer suborno. Se toda a população brasileira fizesse um voto de não aceitar suborno algum por um ano, veríamos uma mudança milagrosa no país. Até certo ponto, com esse propósito, conseguimos muitas mudanças na Índia. Mas ainda temos um longo caminho a trilhar, assim como a Rússia e outros países europeus, a exemplo da Itália e da Grécia. Porém, são os valores humanos e a visão de uma sociedade livre de crimes por parte dos líderes da sociedade que irão nos ajudar a alcançar este objetivo para o Brasil.

JC - Devido à crise de valores e financeira, o que você sugere que os indivíduos façam?

RAVI SHANKAR - Sabe, um problema de natureza tão massiva não pode ser abordado apenas na esfera individual. É necessário motivar as pessoas ao redor. Apenas assim, uma solução se torna possível. O que um indivíduo pode fazer? Criar grupos e inspirar pessoas a se moverem na direção de uma sociedade melhor, compartilhar essa visão de uma sociedade livre de estresse e de violência. Uma vez alinhados com essa visão, cada indivíduo poderá criar seus grupos por toda parte. Nunca subestime o poder dos indivíduos! Não é que sejam capazes de tudo, mas definitivamente podem contribuir. Cada indivíduo, em sua respectiva área, pode criar seu próprio clube. Temos clubes para propósitos sociais, para jogar bridge. Tem grupos para jogar bridge no Brasil? Temos clubes de esporte, de entretenimento... Por que não criarmos clubes, por toda parte, em prol de uma boa governança, de uma sociedade livre de corrupção, livre de violência? Isso é algo que todo indivíduo é capaz de fazer.

Podem estabelecer como objetivo uma sociedade livre de violência, de estresse e de corrupção; essas três coisas. Então, teríamos esses grupos por toda parte, associando-se a ONG's e outras instituições que queiram contribuir. Assim, cria-se uma onda de baixo para cima, ajudando o governo também, que muitas vezes se sente isolado pela incapacidade de implementar o que pretende. A partir da base, as pessoas podem começar a apoiar as visões do governo.

Fizemos isso na Índia. A partir da base, começamos na Arte de Viver, em 2008, uma missão de limpeza no país, que continuou em 2010. Quando o governo a assumiu em 2014, tornou-se um grande movimento no país inteiro. Em poucos anos, essas campanhas de higiene ganharam muito impulso. Da mesma forma, no Brasil, podemos defender uma sociedade livre de violência. Identificar pessoas que estão engajadas na violência e ajudá-las a encontrar uma saída. Não condená-las. Criminosos precisam de ajuda. Devem ser tratados. A Arte de Viver tem feito esse trabalho de ajudar aqueles que se encontram presos no ciclo de violência a romperem esse ciclo e viverem uma vida normal e feliz.

Leia mais: Meditação da Lua Cheia.

*Agradecimentos a Flávia Pierangeli e Lucas Ribeiro, da Arte de Viver Brasil.

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