Economia Criativa

J.Borges está na moda praia, em capa de livros e em roupas infantis

Maior xilogravurista do Brasil, artesão de Bezerros é homenageado do Galo da Madrugada 2020

Adriana Guarda
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Adriana Guarda
Publicado em 08/09/2019 às 11:11
Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem
Maior xilogravurista do Brasil, artesão de Bezerros é homenageado do Galo da Madrugada 2020 - FOTO: Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem
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“Eu quero continuar minha vida assim: trabalhando, conversando com as pessoas e indo tomar uma dose de uísque com água de coco no Bar da Asinha quando terminar o expediente na sexta-feira”, gargalha J.Borges. Prestes a completar 84 anos em dezembro, o cordelista e xilogravurista pernambucano mantém a rotina de acordar às 6h, tomar café da manhã e descer para trabalhar no Memorial J.Borges, construído entre a sua casa e a do filho Pablo. Desde 2018, o artista tem reforçado a parceria com empresários interessados na sua obra. Dessa vez não são apenas compradores querendo distribuir xilogravuras com clientes ou fornecedores, mas uma nova tendência que poderia ser chamada de “J.Borges para consumo”. Marcas de moda praia, fabricantes de vestuário com proteção UV, grife de moda feminina e marca de roupa infantil estão lançando coleções com estampas do Patrimônio Vivo de Pernambuco.

“Fico feliz porque estou sendo procurado por empresas que valorizam o trabalho do artista popular, que pagam corretamente o valor cobrado pelo desenvolvimento das matrizes e pelo direito autoral. Mas sabemos que tem gente usando nossos desenhos por aí sem permissão e fico muito aborrecido com isso”, comenta Borges. O artesão também comemora uma característica comum a maioria das empresas que têm encomendado estampas para as suas coleções: o conceito de sustentabilidade. São marcas em busca de uma identidade com a cultura brasileira e de responsabilidade socioambiental.

As empresas não tiveram dificuldade de chegar a Borges porque ao longo de seus 63 anos de trajetória artística ele soube administrar a carreira ao lado da família e dos amigos e conquistar projeção nacional e internacional. “Atribuo o fato de meu trabalho estar no mundo inteiro a meu amigo Ariano (Suassuna) e a nunca ter me iludido pela fama e não ter cobrado preços exorbitantes pelas minhas peças. Sempre quis que minhas xilogravuras estivessem nas casas de deputados, de senadores e até de presidentes, como Fernando Henrique Cardoso me disse que tem na casa dele; mas também na casa do pedreiro, do carpinteiro e do agricultor”, assevera.

Autora da biografia J.Borges - entre fábulas e astúcias, que será lançada pela Cepe Editora até outubro, a jornalista e escritora Maria Alice Amorim, diz que o artista soube negociar a própria produção, sem intermediários. “Borges tem consciência do próprio valor e sabe tirar partido disso, economicamente falando, de maneira bastante inteligente. Ele articula muito bem as relações interpessoais e as relações de negócios. Importante nisso tudo é que ele próprio administra a produção artística e a sua inserção no mercado das artes”, pondera.

Borges conta que mesmo sabendo que sua obra circula o mundo todo, ainda se admira com a chegada das xilogravuras em terras longínquas. Ele diz que há seis meses recebeu uns visitantes de São Paulo junto com duas mulheres da Nova Zelândia. “Me disseram que uma delas falava português. Aí eu perguntei:
- Está gostado do Brasil?
- Ok.
- Tem gravura su em mi casa.
- Tem gravura minha na sua casa? E quem diabo levou? Ela sorriu porque não entendeu nada e eu sorri também”, gargalha Borges, dizendo que sabia que sua obra estava em vários continentes, mas ainda não imaginava até na Oceania.

A capacidade de comunicação, mesmo que não fale a mesma língua, como no caso da admiradora da Nova Zelândia é uma marca do artista. “J. Borges é uma pessoa sedutora, sabe e consegue conquistar as pessoas com a conversa, com o sorriso. Um dos aspectos que mais me chamou a atenção foi a capacidade de reinventar-se, sempre associada ao espírito de fabulação e a esse carisma, essa disponibilidade para ser simpático e agradável com as pessoas, sobretudo essa capacidade para trabalhar em equipe. A equipe sempre formada com os familiares. A família é um dos dois grandes eixos da vida dele, o outro é todo o processo do trabalho criativo, desde a invenção, até à execução e escoamento. Os dois eixos funcionam todo o tempo entrelaçados, graças ao seu espírito de liderança e aglutinação. Borges, que sempre se mostrou como uma pessoa cheia de vitalidade, buscou adaptar-se às novas demandas relacionadas ao universo do cordel e da xilogravura, por isso se mantém atuante, produzindo, inserido nos circuitos artísticos e no mercado. Esse é outro aspecto apaixonante”, reforça Alice.

Depois de sobreviver a um infarto em 2003 e passar por uma cirurgia no fêmur em 2013, Borges tem evitado embarcar em viagens internacionais que exijam mais de três horas de voo. Em função da limitação tem delegado a tarefa aos filhos. Em outubro, Pablo Borges viaja para participar de uma feira de artesanato em Macau, na China, e depois embarca para uns dias em Tóquio, onde vai ministrar oficinas sobre xilogravuras e participar de palestras a convite de uma cliente que tem loja na capital japonesa.

GALO DA MADRUGADA

No Carnaval 2020 J.Borges também vai colorir o Galo da Madrugada. Com o tema "Xilogravuras no Cordel do Frevo", o maior bloco de rua do mundo vai homenagear o artista e terá sua identidade visual baseada nas gravuras do artesão. “A escolha de J.Borges se alinha a proposta que temos para o Galo de reforçar a cultura do Nordeste e ele reúne a riqueza do cordel e da xilogravura”, diz o presidente do Galo da Madrugada, Rômulo Menezes.

Além da homenagem, Borges vai produzir matrizes para a confecção de 10 mil camisas, além de dois selos que serão novidades do bloco em 2020: o cultural “Gigante guardião da cultura” e o de sustentabilidade “Eu me manifesto pelo planeta”. “Eu recebo a homenagem com muita alegria, porque engorda o meu currículo e porque o Galo da Madrugada é o maior bloco do mundo. Vou até ganhar um boneco gigante feito por Silvio Botelho”, revela. No ano passado, Borges foi homenageado pela escola de samba Acadêmicos da Rocinha, que desfilou o enredo “madeira Matriz” da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, em comemoração aos 110 anos da xilogravura no Brasil. “Foi um dos momentos mais inesquecíveis da minha vida desfilar no balanço daquele carro alegórico, com uma arquibancada inteira ao meu redor cantando e dançando”, recorda.

Outra atividade que não sai do portfólio e da memória afetiva de Borges são as ilustrações para livros. Ele nem contabiliza mais quantas produziu, numa lista que inclui José Saramago, Ariano Suassuna, Irmãos Grim e tantos outros. Recorda com carinho e uma certa melancolia da parceria com o escritor uruguaio Eduardo Galeano. “Ele chegou aqui em casa com cinco folhas de papel com as histórias para eu desenhar. Aprendi a ler em espanhol graças a ele e a calcular as ilustrações em dólar por conta do dinheiro doido do Brasil”, lembra. Fim da conversa com a reportagem, J.Borges se diverte contando histórias de fotógrafos que já passaram pelo Memorial e se despede com o velho bordão: Boa viagem, saúde e gordura!

A XILOGRAVURA VAI À PRAIA

Uma sereia em plena paisagem da caatinga e um bicho de sete cabeças no ambiente da fauna marinha: criações do mestre J.Borges para a pernambucana Rush Praia, que encomendou a ele as estampas da coleção 2018 (com direito de uso até 2020). A provocação foi desenvolver algo que remetesse à diversidade de Pernambuco, do Litoral ao Sertão. Em um pedaço de madeira rabiscado com caneta esferográfica, ele criou a Sereia no Sertão e O Bicho de Sete Cabeças na Praia, com sua habilidade inventiva herdada do cordel.

“Nós adoramos o desenho e ele começou a entalhar a madeira. Em três horas já tinha feito tudo. Nossa ideia era ficar com essas duas estampas, mas ficamos tão encantadas que decidimos por uma terceira. Como não tinha tempo hábil para fazer todo o desenvolvimento da xilogravura até o rapport (transformação do desenho em estampa), optamos por uma gravura que já existia (A Passarada) no catálogo de Borges e pedimos autorização para fazer uma textura”, conta Louise Vas, que, junto com a irmã Catherine, cuida das áreas de Comunicação, Marketing e Conteúdo na empresa criada há 23 anos pela mãe, Shirley Vas.

Com sua primeira loja inaugurada em Olinda, a Rush Praia é uma empresa familiar que aposta na sustentabilidade e na identidade com a cultura pernambucana como essência. A marca já lançou coleções de artistas como Francisco Brennand, Manoel Quitério, Dani Acioly e Bel Andrade Lima. “Qualidade, conforto, exclusividade e diversidade dos corpos também estão entre os diferenciais da Rush Praia. Disponibilizamos modelagens do P ao XG e oferecemos apenas duas peças de cada modelo por tamanho”, destaca Catherine. A Rush Praia foi a primeira marca de beachwear do Nordeste a utilizar fio de poliamida biodegradável desenvolvido no Brasil pela Rhodia. Para efeito de comparação, fibras sintéticas como nylon e poliéster demoram cerca de 80 anos para se decompor na natureza.

UV.LINE

Especializada em roupas com proteção solar, a UV.Line acabou de lançar a Coleção Verão 2020 em parceria com J.Borges. As peças com as estampas Baile e Peixes começaram a colorir as vitrines das unidades físicas e da loja virtual desde o dia 15 de agosto. Os maiôs custam na casa dos R$ 329 e as saídas de banho, R$ 379.
“A proposta da coleção é valorizar o cotidiano do povo nordestino e a cultura da região a partir do trabalho do cordelista e xilogravurista J.Borges”, diz a diretoria da marca, que foi pioneira na América Latina em proteção UV e produz roupas e acessórios feminino, masculino e infantil.

 

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