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Simone e Ivan Lins, finalmente, num show juntos

No repertório, sucessos e canções engajadas dos anos 70

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 29/11/2018 às 11:08
Foto -  Léo Aversa/Divulgação
No repertório, sucessos e canções engajadas dos anos 70 - FOTO: Foto - Léo Aversa/Divulgação
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Os caminhos do carioca Ivan Lins e os da baiana Simone se cruzam desde 1973, quando ela o gravou pela primeira vez, em seu álbum de estreia (a canção Chegou a Hora, de Ivan e Ronaldo Monteiro de Souza). 45 anos depois, finalmente, os dois empreendem uma turnê juntos, apropriadamente intitulada Simone Encontra Ivan Lins, que aporta amanhã, às 21h30, no Teatro Guararapes. A turnê já passou por seis cidades brasileiras, passará por mais três, e depois cruza o Atlântico, para uma trinca de concertos em Portugal:
“A gente estava se devendo isso há bastante tempo, quando ela gravou um disco só com músicas minhas, o Baiana da Gema, combinamos em fazer um trabalho juntos, as agendas não ajudaram. Como eu faço muito show fora do Brasil, complicou mais. A gente ficou esperando por um momento em que as agendas combinassem. Foi o que aconteceu agora”, comenta Ivan Lins. Ele se derrama em elogios a Simone:
“Está divina cantando, impressionantemente, na melhor fase dela como intérprete. E tem uma presença muito bonita no palco, muito elegante. Faço o trabalho que normalmente faço, e está dando certo. O espetáculo ficou muito bonito, muita gente chora, os textos são maravilhosos. Já foram gravados alguns shows. Em janeiro vamos levar o material recolhido ao estúdio, se estiver bom faremos o DVD, pra lançar em abril”.

Simone Encontra Ivan Lins foi dirigido pela cantora Zélia Duncan, segundo Ivan Lins, formatado da maneira mais simples, valorizando sobretudo as canções: “O espetáculo é simples no sentido da apresentação das canções. Eu e Simone ficamos o tempo todo no palco. O show é baseado em canções minhas, algumas que ela gravou antes, outras que nunca gravou. No geral são músicas bastante conhecidas, feito Mudança dos Ventos, Aos Nossos Filhos, Bilhete, Vitoriosa, Madalena, Um Novo Tempo”, diz Ivan.

Na verdade, Simone poderia montar um espetáculo apenas com as composições de Ivan Lis que ela gravou, são mais de trinta. Curioso é que o incluiu no disco que inaugura sua obra, mas só voltou a gravá-lo cinco anos depois: “Foi quando a gente começou realmente uma colaboração mais intensa. Eu a conhecia desde 1973, mas a gente pouco se esbarrava. Em 1978, ela gravou Começar de Novo pra série Malu Mulher, a musica estourou, a colaboração começou a crescer, e nossa relação pessoal também, a gente passou a se ver mais”, conta Ivan.

Começar de Novo é a faixa de abertura de Pedaços, o álbum que Simone lançou em 1979, ano da Anistia e do fim da censura prévia. Simone voltou a gravar Ivan Lins (e Vítor Martins) canções emblemáticas do novo tempo que se vislumbrava. Não por acaso Novo Tempo foi o sucesso do LP Simone, de 1980. Mais uma canção engajada, ou como se diz agora, de “resistência”, da dupla Ivan Lins/Vitor Martins, que compôs uma série delas, quase todas bem situadas nas paradas de sucesso, Cartomante, Quaresma,Bandeira do Divino. Canções com letras que tinham a ver com o momento vivido pelo país.

PERPLEXIDADE

O atual clima político tem algo de déjà vu para o cantor. Como se estivesse voltando no tempo, canções quarentonas, feitas num outro contexto, voltam a fazer sentido novamente, a ter as mesmas conotações do passado: “Acho que isto acontece porque o Brasil não muda muito. É um processo cíclico, houve uma ditadura militar durante 21 anos, e agora voltamos a ter um governo, que não é uma ditadura, mas corremos o risco. Pela forma como o presidente eleito se manifesta, pelo ministério que está formando, com muitos militares, as forças armadas do lado dele. Não vou dizer que de repente possa acontecer isto, mas o perigo existe”, comenta Ivan.

Ele é da geração 68, que entrou em cena quando a linha dura das forças armadas tomavam o poder. Enfrentou a fase mais pesada do regime militar, porém diz que nunca foi ameaçado pessoalmente: “Nunca sofri, e, grande parte da nossa classe não sofreu, pelo menos ameaça explicita, a não ser através da censura. Naquele época todo espetáculo tinha que ser apresentado para a censura primeiro, para três censores. Tínhamos que fazer o show todo para os três caras. Eles iam cortando dizendo o que podia, ou não podia estar no show. De uma certa forma era uma maneira de fazer pressão sobre a gente. O departamento de censura no Rio era no Dops, no terceiro andar. Lá embaixo estavam os porões, onde aconteciam as torturas. E você subia no terceiro andar com medo. Podia não sair mais do prédio”. Ivan Lins confessa que voltou a sentir medo:
“Muitas destas canções podem voltar a prevalecer por conta do discurso deste novo presidente, que acredita que violência só se combate com violência. As ideias de esquerda podem sofrer algum tipo perseguição. Isto aconteceu durante a ditadura, não sei até que ponto ele vai levar este discurso adiante. Mas faz parte da personalidade dele, do pensamento dele, é espontâneo. Suas crenças pessoais assustam a todos nós. Ele sempre teve uma atitude homofóbica, faz parte das convicções dele. De repente, ele não vai poder levar a frente suas convicções. Até que ponto uma pessoa pode ir contra suas convicções? É uma grande pergunta que se faz hoje. Como isto vai ser desenvolvido a partir de janeiro quando assumir?

Ivan Lins diz que até agora a situação não o inspirou a fazer música, e ri quando aponta uma composição que, acha, voltará a cumprir a mesma função 50 anos depois de ter feito sucesso e logo depois ser censurada. “Uma musica que pode tornar a ser bastante polêmica, em relação ao novo governo, é Apesar de Você, de Chico Buarque. É engraçado pensar em Chico ou no MPB-4 cantando esta canção a partir de janeiro”.

O cantor prevê turbulências entre o futuro governo e a classe artística: “Na verdade, se for levar em consideração três gerações de compositores, dos anos 60, 70, 80, a maioria tem dentro de seus trabalhos canções que batem de frente com os governos. Quero saber como este presidente vai reagir em relação a este contingente enorme, não só de músicos, mais de atores, teatrólogos, cineastas, pensadores, filósofos, poetas. Como é que vai conseguir conviver com este pessoal. O pensamento brasileiro é muito rico, muito variado, mas principalmente muito humanista. Como ele vai conviver com o pensamento humanista da classe artística brasileira? Como serão os investimentos em cultura no Brasil? Serão negados aos que produzem uma música que bate de frente com a com as ideias do novo presidente? As portas serão fechadas? Ele pode perfeitamente chegar ao empresário que patrocina o show de Chico Buarque e dizer que vai mandar fiscais à empresa dele. Gostaria que isto não acontecesse, mas pelo perfil do Ministro da Educação que escolheu, isto é bem possível. Eu fico muito assustado, extremamente preocupado com a questão da cultura nesses próximos quatro anos”.

l Preços dos ingressos: plateia especial: R$ 244 e R$ 122 (meia); plateia: R$ 204 e R$ 102; balcão: R$ 154 e R$ 77 (meia). Fone: 3182.8020

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