Análise

Pesquisador destaca que PT não é mais o mesmo partido de antes

Túlio Velho Barreto, cientista político, fala sobre os desafios da esquerda no Brasil

Franco Benites
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Franco Benites
Publicado em 23/10/2016 às 11:58
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Túlio Velho Barreto, cientista político, fala sobre os desafios da esquerda no Brasil - FOTO: Edmar Melo/Acervo JC Imagem
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O cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Túlio Velho Barreto, afirma que a perda de força do PT pode afetar a esquerda no Brasil. No entanto, o pesquisador garante a esquerda não depende da sobrevivência do Partido dos Trabalhadores para sobreviver. Confira, a seguir, uma entrevista sobre o assunto.

As eleições municipais mostraram que o PT perdeu espaço nas urnas. Que elementos contribuíram para o enfraquecimento do PT?

Muitos fatores contribuíram para o enfraquecimento eleitoral do PT este ano. O que não significa que esse seja um processo irreversível. De toda forma, essa análise não pode ficar restrita às disputas eleitorais e a aspectos pontuais. Entendo que, apesar de Lula ter sido reeleito em 2006 e de Dilma Rousseff ter sido eleita e reeleita nas disputas seguintes, há mais de 10 anos o partido vem sofrendo com uma exposição fortemente negativa na mídia. Inicialmente, a partir do chamado “mensalão” e, nos últimos dois anos, a partir das investigações seletivas da operação Lava Jato. Em tais processos, por um corte de classe e ideológico, as denúncias de corrupção são associadas propositadamente ao PT, diferentemente do que ocorre com outros partidos, quando os casos de corrupção são associados a indivíduos, e não às legendas. E isso ocorre com indivíduos de outros partidos, inclusive com alguns dirigentes do PMDB, PSDB, DEM, PP etc. Por outro lado, diante da chegada definitiva da crise econômica mundial no Brasil, o segundo governo de Dilma Rousseff tentou adotar medidas bastante mais conservadoras, nomeando para ministro da Fazenda, inclusive, alguém com esse perfil. E adotando medidas muito mais próximas do programa eleitoral derrotado do PSDB.  Desgastando-se, assim, com parte importante e numerosa de sua base política e eleitoral. Tudo isso após Dilma Rousseff ter sido eleita com o discurso mais à esquerda usado em todas as disputas em que o PT saiu vitorioso nacionalmente. Sem me estender muito, destacaria esses dois aspectos que contribuíram para as derrotas eleitorais do partido.
 
O enfraquecimento do PT significa o enfraquecimento da esquerda como um todo no Brasil?

Por ser o maior e mais importante partido político de massas com origem na esquerda, a diminuição da força eleitoral do PT, neste momento, terá grande impacto nesse campo. É relevante lembrar que, diferentemente de quase todos os outros partidos, em sua maioria, legendas meramente cartoriais, o PT nasceu como expressão político-partidária de movimentos sociais que surgiram ou ressurgiram na segunda metade da década de 1970 no combate à ditadura civil-militar. O PT é um dos poucos partidos na história republicana brasileira com uma base social real. E foi criado com um claro corte de classe, que está expresso em seu próprio nome: Partido dos Trabalhadores. E, ideologicamente, na esquerda. Até o início dos anos 1990, o partido não tinha um projeto hegemônico. Após a saída do partido de tendências mais à esquerda, que defendiam inclusive a revolução social, o PT passou a ter um projeto hegemônico que o aproximou da social democracia europeia. Assim, o PT tornou-se um partido de centro-esquerda. Portanto, a resposta para o ‘enfraquecimento eleitoral’ da legenda significa, de fato, a derrota, ainda que não se saiba se momentânea ou não, de um projeto de corte social democrata para o Brasil. Ou seja, da construção efetiva, e não apenas no discurso, de algo que poderia significar a adoção do modelo de bem-estar social adotado na Europa no pós-Segunda Guerra.

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Que reflexões a esquerda precisa fazer para se fortalecer no futuro?

As mesmas reflexões que a direita é obrigada a fazer quando é derrotada eleitoralmente, como ocorreu, pelo menos parcialmente, de 2002 para cá, aliás, até 2014. A diferença é que a direita vence uma disputa eleitoral e sente-se à vontade para gerir o capitalismo, ou seja, sente-se ‘jogando em casa’ com absoluto controle dos recursos materiais e institucionais disponíveis. Enquanto a esquerda, ao vencer uma disputa eleitoral, sempre ‘joga no campo do adversário’, isto é, tem pouco controle sobre tais recursos e os seus usos. É importante lembrar que o PT não foi signatário dos compromissos originais formalizados entre o PMDB e a Frente Liberal que deram origem à Nova República. Em 2002, o PT e Lula ‘entraram na festa’ como intrusos, ‘penetras’, já que apostaram nas eleições diretas para presidente mesmo após a derrota da emenda Dante de Oliveira, que pretendia restabelecer esse processo já na sucessão do general João Figueiredo, em 1985. Sob certa perspectiva, o PT tornou-se refém de um modelo político e eleitoral do qual não participou de sua concepção, o que inclui também o esquema de corrupção com o qual pactuou ao chegar ao poder. De toda sorte, a principal reflexão que a esquerda deve fazer, no meu entendimento, é que não há vitória definitiva nem irreversível, eleitoral e política. Um grande erro do PT e de suas lideranças foi apostar que o processo de avanço na direção do estabelecimento de um estado de bem-estar social segue uma lógica evolutiva, quer dizer, sem possibilidade de retrocesso, já que beneficia a maior parte da população. A lição que fica é a de que a luta, digamos assim, para ampliar a cidadania é constante e um governo que se propõe a tanto está sempre ameaçado pelos setores mais conservadores, excludentes, senão mesmo reacionários da sociedade, em especial em um País tão desigual quanto o nosso.  
 
Alguns especialistas afirmam que haverá a morte do PT e que outros partidos, a exemplo do PSOL, devem assumir o protagonismo da esquerda no Brasil... existe esquerda sem PT?

Claro que a esquerda existe sem o PT. Antes do PT havia o PCB e, hoje, existem o PCO, PSTU, PSOL, por exemplo. Embora devamos ressaltar que o PT não se acabou, apesar do que desejam e objetivam nossas elites e afirmam apressadamente alguns especialistas. Pelo menos, por enquanto. O inegável é que o PT, atualmente, é um partido em grave crise, pelas razões que já apontei. O PT que não existe mais é o partido que tinha como estratégia o socialismo; o partido que se recusou a ir ao Colégio Eleitoral, por considerá-lo um mecanismo espúrio criado pela ditadura civil-militar para se eternizar no poder; o partido que se recusou a assinar a Constituição Federal de 1988, por considerá-la conservadora. Prevaleceu, assim, o partido que confundiu ‘tática’ com ‘estratégia’ e, embora não signatário da Nova República, foi o que mais tempo ficou no poder desde a sua instalação, em 1985. E só foi apeado do poder em meio a um golpe parlamentar viabilizado pelo presidente da Câmara Federal Eduardo Cunha e o presidente do Senado Renan Calheiros, ambos do PMDB, apoiados no PSDB e DEM (ex-PFL), PSB e um punhado de partidos cartoriais. Considerando o processo de criação do PT e as duas décadas que o partido levou para se tornar uma força eleitoral, é difícil imaginar que outra legenda venha a substituí-lo como um ator político eleitoralmente competitivo tão rapidamente. Para felicidade da direita brasileira, isso pode levar outra geração. Mas quem sabe?
 
Em relação à eleição presidencial de 2018, já é possível citar que políticos têm condições de ocupar o espaço de candidato(s) mais competitivo(s) da esquerda?

Embora estejamos quase às vésperas das eleições de 2018, como o tempo político é diferente do tempo real, ainda é muito cedo para dizer algo. Este ano tivemos uma grave ruptura do jogo democrático, que coloca sob suspeição a permanência do próprio Estado Democrático de Direito e as parcas e tênues conquistas inscritas na Carta de 1988 ou dela resultantes. Está difícil desenhar o cenário futuro, que me parece bastante incerto, sobretudo no momento em que o partido de centro-esquerda mais expressivo do ponto de vista político e eleitoral sofre sérias ameaças de extinção. E olhe que o PT nada mais fez até hoje do que funcionar como um amortecedor das lutas de classes no País, coisa que a nossa excludente elite é incapaz de entender e aceitar. Então, mesmo o cenário político atual é nebuloso. Ninguém tem certeza se o governo Temer sobrevive até o Carnaval de 2017 ou se antes das festas de momo o Congresso Nacional já terá coroado um presidente por eleição indireta. De toda forma, a esquerda ou o centro-esquerda terá muita dificuldade se Lula estiver inelegível ou preso em 2018, o que não é tão implausível. Aliás, nem a direita nem a esquerda parece possuir líderes capazes de rapidamente restabelecer a confiança de brasileiros e brasileiras no jogo democrático. Que o diga a expressiva quantidade de votos nulos e brancos e as abstenções nas eleições deste ano.

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