Os novos navios negreiros

Tratados como lixo, imigrantes morrem tentando chegar à Europa pelo Mediterrâneo

Matéria especial do JC mostra o duro trajeto enfrentado por quem foge da miséria e tenta chegar ao continente europeu

MARCOS OLIVEIRA
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MARCOS OLIVEIRA
Publicado em 25/04/2015 às 18:00
AFP PHOTO / BEN STANSALL
Matéria especial do JC mostra o duro trajeto enfrentado por quem foge da miséria e tenta chegar ao continente europeu - FOTO: AFP PHOTO / BEN STANSALL
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Se no passado o Mediterrâneo era peça chave no comércio internacional e representava o esplendor das navegações e de um mundo em descobrimento, hoje a região se transformou em um grande cemitério marinho. Só este ano, mais de duas mil pessoas morrerram em naufrágios de embarcações que levavam imigrantes clandestinos e em condições desumanas. As vítimas são indivíduos de diversos países da África e do Oriente Médio, que perderam a vida tentando fugir da fome, das guerras civis, de perseguições políticas ou religiosas, do avanço do terrorismo e, principalmente, segundo analistas, da falta de ação de países que poderiam fazer algo para impedir as tragédias, como a que ocorreu no domingo passado, quando mais de 800 desapareceram no mar.

Sobreviventes levados ao centro de detenção de imigrante em Malta disseram à ONG Anistia Internacional que, em embarcações cujas condições lembram os navios negreiros usados no tráfico de escravos no século XV, presenciaram dezenas de pessoas pulando no mar gelado em atos de total desespero. Sem água, comida ou coletes salva-vidas, os traficantes ainda deixam os imigrantes em posições que não permitem que eles possam sentar ou deitar para dormir na viagem que pode durar dias ou, em caso de ficarem à deriva, até semanas. 

Em um dos depoimentos, apresentados no relatório divulgado essa semana pela Anistia, Abubaker Jallow, 21 anos, descreve parte do drama vivido por ele durante a travessia. “Pessoas começaram a enlouquecer. Alguns pularam na água. Nós jogamos mortos na água, eu não sei quantos. Ficamos à deriva durante dias, quando fomos resgatados e chegamos em Malta”, lembrou ele que foi resgatado em 22 de janeiro.

Tanto Itália como Malta são os países que, por estarem mais próximos ao continente africano, mais estão sofrendo com o desembarque ilegal de imigrantes. O cônsul de Malta no Recife, Thales Castro, apontou ao como causa dessa crise as guerras em países como a Síria, o Iraque e a Nigéria. Thales elencou, como catalisador, que a falta de um governo central na Líbia propiciou um corredor amplo para a passagem dos que buscam refúgio no velho continente.

Desde 2011, com a queda do ditador Muamar Kadhafi, os libaneses convivem com um país disputado por dois grupos rivais. Cenário agravado com a ascensão terrorista.

Diante daquele que é considerado o maior acidente envolvendo imigrantes da história do Mediterrâneo, a União Europeia (UE) anunciou essa semana uma série de medidas para agilizar o socorro e uma melhor cobertura dos programas imigratórios em países-chave. Mas as propostas foram consideradas insuficientes por ONGs e pela Organização das Nações Unidas (ONU), como destaca a professora de Relações Internacionais da ESPM, Raquel Maria de Almeida Rocha. Ela afirma que as proposições são importantes, mas não ampliam a oferta de asilo. Líderes europeus resistem em aceitar novos imigrantes, tendo disponibilizado cinco mil asilos no ano passado, bem abaixo dos 219 mil desembarques registrados em 2014. 

Os que conseguem pisar em solo europeu, venceram a parte mais mortal do trajeto, porém, enfrentam grandes dificuldades para conseguir se fixar. Quem solicita proteção precisa provar às autoridades que está fugindo de perseguição e que poderia enfrentar perigo ou morte se voltasse para seu país de origem. Mesmo que as expulsões em massa, pela legislação da União Europeia, sejam proibidas, alguns países, como a Grécia, costumeiramente descumprem a determinação e negam os pedidos de asilo sem a análise dos casos.

Durante o processo para receber asilo, o solicitante tem direito de ser alimentado, receber primeiros socorros e cuidados em um centro de acolhimento. O procedimento completo dura até um ano. Quem não consegue é mandado de volta ao país de origem. Em muitos casos, ao voltar eles permanecem só o tempo de juntar novamente a quantia necessária para tentar outra vez a travessia.

Veja matéria completa no caderno de Internacional deste domingo (26) do seu Jornal do Commercio.

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