COREIA DO NORTE

ENTREVISTA: Marcelo Abreu

Um dos poucos brasileiros que tiveram acesso à Coreia do Norte, o jornalista Marcelo Abreu, autor de "Viva o Grande Líder - Um repórter brasileiro na Coreia do Norte" (Geração Editorial) conversa sobre o futuro do país.

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Publicado em 27/12/2011 às 16:59
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Um dos poucos brasileiros que tiveram acesso à Coreia do Norte, o jornalista Marcelo Abreu, autor de "Viva o Grande Líder - Um repórter brasileiro na Coreia do Norte" (Geração Editorial) conversa sobre o futuro do país. - FOTO: NE10
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JORNAL DO COMMERCIO - Você teve algum contato com as pessoas que conheceu na Coreia do Norte depois do lançamento do livro? Alguém do governo entrou em contato com você? Qual foi a repercussão?
MARCELO ABREU - Da Coreia do Norte, ninguém entrou em contato. Considerando que é um regime obcecado com sua imagem externa, certamente o livro deve ter chegado lá pelos serviços de informação. Fui apenas procurado pessoas ligadas ao governo da Coréia do Sul, que ficaram surpresas com o interesse de um jornalista brasileiro pelo país que eles também consideram seu, afinal a Coreia já foi um só país durante séculos. Até gostaria de saber da repercussão entre as autoridades norte-coreanas. Afinal, escrevi um dos poucos livros que mostram simpatia por alguns aspectos do regime deles, apesar de não deixar de apontar os exageros no culto a personalidade e lembrar questões incômodas como o problema nuclear e os direitos humanos.

JC - A Coreia do Norte é um país extremamente fechado e grande parte das notícias que recebemos de lá vêm de fontes oficiais. Como analisar essas notícias?
ABREU - Na verdade, a Coreia do Norte é um pais sem notícias, no sentido ocidental do termo, um país sem entrevistas coletivas ou individuais. O que há são eventuais comunicados do governo através de sua agência de notícias oficiais. Portanto, tudo chapa branca. A Coreia do Sul procura acompanhar todos os movimentos mas com uma forte carga ideológica, então não é muito confiável. As outras potências envolvidas na questão coreana (EUA, China, Rússia e Japão) também investem no jogo de desinformação. O segredo é total. Ao ponto de que, com toda a capacidade atual dos satélites para interceptação de comunicações, a informação sobre a morte de Kim Jong-il passou dois dias como um segredo e não vazou para o mundo ocidental. A Casa Branca, a CIA, o governo sul-coreano, todos souberam ao mesmo tempo, pela imprensa.

JC - Todo processo de sucessão pode ser problemático, especialmente em ditaduras. Aparentemente, Kim Jong-un está estabelecido como novo líder do país. Existe algum risco interno para ele? A força da imagem do pai e do avô garantiram uma sucessão tranquila?
ABREU - Riscos, sempre existem. Há várias possibilidades de como as coisas podem caminhar. Mas acredito que Kim Jong-un pode acabar sendo um ponto de convergência para as eventuais tendências existentes nas forças armadas. Digo "eventuais tendências" porque o regime norte-coreano se orgulha de ser monolítico, portanto completamente unido. E não podemos menosprezar essa pretensão deles. Nesse sentido, talvez seja menos desgastante tê-lo como um espécie de príncipe regente, guiado inicialmente pela velha-guarda do partido e do exército. Esse processo sucessório pode durar anos. Eles não têm a pressa do Ocidente para definir as coisas. Quando Kim Il-sung (o pai) morreu em 1994, levaram três anos para empossar formalmente Kim Jong-il (o filho). E olha que ele já era o sucessor apontado vinte anos antes. Ao contrário do atual Kim Jong-un (o neto).

JC - Kim Jong-un é jovem, inexperiente e até alguns anos atrás nem era o sucessor natural do pai. O que esperar do novo líder da Coreia do Norte?
ABREU - É totalmente imprevisível. O "grande sucessor" pode representar alguma modernização, pela idade e pela suposta educação que teve na Suíça. E pode também ser adepto de um continuísmo total. Se não fosse da confiança do regime, não teria sido escolhido como sucessor. A manutenção do regime não é de todo ruim para o povo da Coreia do Norte. Afinal eles têm o direito de tentar o sistema de vida diferente, longe do consumismo, dos engarrafamentos de trânsito e do estresse em voga no resto do mundo. O verdadeiro drama no país é a separação entre as famílias dos dois lados da península, desde o final da Guerra da Coreia, em 1953. Seria um grande avanço se o novo líder pudesse começar a resolver esse problema.

JC - As imagens mais marcantes vindas da Coreia do Norte são de sua população em prantos com a morte do ditador (imagens que a TV estatal faz questão de divulgar ao máximo). Em todo mundo, a "honestidade" desse luto vem sendo questionada. Até onde as demonstrações públicas de tristeza podem ser consideradas propaganda? Ou realmente a imagem construída em volta de Kim Jong-il influenciava a população?
ABREU - É uma grande falta de compreensão do Ocidente questionar a tristeza do povo norte-coreano. Quando Getúlio Vargas morreu, sem um décimo da propaganda oficial da Coreia, houve uma comoção grande no Brasil. Quando Tancredo Neves morreu em 1985, já na em plena era do cinismo e do descrédito com a política, houve outra comoção. E isso no Brasil, ocidental, irreverente, crítico. Por que os coreanos não podem sentir a falta de um líder, eles que foram educados no culto da personalidade desde bem pequenos e ainda por cima são herdeiros da tradição confucionista de respeito à autoridade? O choro é 99 por cento genuíno. E a turma do 1 por cento chora também, porque ninguém é bobo.

JC - Como Kim Jong-il vinha conduzindo sua política externa? Podemos esperar mudanças no quadro global?
ABREU - Vinha conduzindo de forma errática, baseando seus atos num misto de ameaças e flertes com a reconciliação. A não ser para setores mais belicosos nos Estados Unidos e na Coreia do Sul, não interessa a ninguém mexer com a Coreia do Norte. O mais provável é que tenhamos mais alguns anos, ou algumas décadas, nesse ritmo de ameaças, pequenos incidentes, incertezas, gestos conciliatórios e assim por diante.

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