JORNALISMO

Alberto Dines, um jornalista comprometido com a notícia e a ética

A defesa do jornalismo fez Dines enfrentar diversas vezes a ditadura militar brasileira

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 22/05/2018 às 19:46
Ana Paula Migliari/TV Brasil/Divulgação
A defesa do jornalismo fez Dines enfrentar diversas vezes a ditadura militar brasileira - FOTO: Ana Paula Migliari/TV Brasil/Divulgação
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Em 1973, o presidente chileno Salvador Allende sofreu um golpe militar comandado por Pinochet, que logo depois instauraria a sua sangrenta ditadura. O Brasil vivia os anos de chumbo de Médici, e a censura proibiu os jornais de dar manchete para a notícia. O jornalista Alberto Dines, que morreu ontem, aos 86 anos, era editor-geral do Jornal do Brasil (JB) e acatou a ordem, mas, como não podia deixar de ser, a sua maneira: deu a notícia na capa do jornal, mas sem título. Arranjou uma forma de dar ainda mais importância ao que a ditadura queria esconder. Pouco depois, foi demitido da empresa.

Dines, um dos principais nomes do jornalismo brasileiro, estava internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Estava lá há dez dias em decorrência de uma gripe que evoluiu para pneumonia e faleceu devido a problemas respiratórios.

Com uma vida inteira dedicada ao jornalismo, Dines trabalhou nas redações da Manchete, Fatos e Fotos, Folha de S. Paulo e Última Hora, entre outros. No JB, foi um dos responsáveis por modernizar o jornalismo brasileiro. A partir de 1996, começou a se dedicar ao Observatório da Imprensa, que trazia uma leitura crítica do que era publicado na imprensa brasileira. Foi ainda colunista do Jornal do Commercio.

“Ele escrevia um texto por semana aqui. Eu o conhecei quando cheguei na revista Fatos e Fotos, mas ele já não estava lá. Tinha ido para o Jornal do Brasil, como editor-geral. O jornal já tinha passado pela grande modificação do jornalista maranhense Odylo Costa, filho, e Dines deu continuidade e melhorou o JB. A equipe era a melhor possível: José Carlos Oliveira, Carlos Drummond de Andrade, Antonio Callado, Carlos Castelo Branco”, lembra Ivanildo Sampaio, coordenador do Comitê de Conteúdo do SJCC.

Segundo Ivanildo, a grande marca de Dines no jornalismo brasileiro é o seu “compromisso com a notícia”. “Ele não se importava com a área comercial ou com o que o dono do jornal queria. A medida para ele era a informação. Claro que isso o levou a ter vários atritos com a direção do Jornal do Brasil, mesmo com o bom relacionamento entre eles. Afinal, ele não queria nem conversa com milicos”, aponta o colega e jornalista.

Ivanildo cita um exemplo do conflito com os militares. Quando, no dia 13 de dezembro de 1968, o AI-5, que suspendeu direitos fundamentais e cassou mandatos da oposição à ditadura, foi promulgado, Dines publicou como manchete no Jornal do Brasil a seguinte manchete: “Ontem foi o dia dos cegos”. Era também o dia de Santa Luzia, padroeira dos olhos. Também publicou na mesma edição uma previsão do tempo não meteorológica: “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável”. Dines chegou a ser preso em 1968 por ter feito um discurso como paraninfo de uma turma da PUC-RJ criticando a censura.

Além da coluna que publicou até 2012 no JC, Dines teve, como em toda a imprensa brasileira, influência na modernização do jornal. Implementou o padrão americano de jornalismo, criou pela primeira vez editorias como a de economia e estruturou um departamento de pesquisa, que armazenava informações e fotos, essenciais para o trabalho jornalístico mais profundo em uma época de difícil acesso à informação.

DOCENTE

Pelo Twitter, o presidente Michel Temer lamentou a perda de “um dos pilares da ética e do profissionalismo” – ironicamente, foi na sua gestão, em 2016, que a TV Brasil parou de exibir o programa Observatório da Imprensa, que estava no ar há 17 anos.

Como docente, Dines deu aula de jornalismo na PUC-RJ e foi professor visitante na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Lançou 15 livros, entre ficção, reportagem e técnicas jornalísticas. Ganhou o prêmio Jabuti em 1993 por Vínculos de Fogo.

Ele deixa quatro filhos, de seu primeiro casamento, com Ester Rosali, sobrinha de Adolfo Bloch, fundador da revista e da rede de TV Manchete. Casou-se uma segunda vez, com a jornalista Norma Couri.

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