São João 2018

Hermeto Pascoal no forró que aprendeu em Lagoa da Canoa

Disco foi gravado no Recife no final da década de 90

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 19/06/2018 às 12:22
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Disco foi gravado no Recife no final da década de 90 - FOTO: foto: Divulgação
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Tem nome de dissertação de conclusão de curso o disco Hermeto Pascoal e Sua Visão Original do Forró (Scubidu) lançado com 20 anos de atraso. Mas valeu a pena. Em 1999 foi anunciado o lançamento de um álbum de Hermeto Pascoal, que estava há quatro anos fora dos estúdios. As gravações foram realizadas no Estúdio Somax, no Recife (iniciadas em agosto de 1998). Em suas 17 faixas, Hermeto Pascoal relembrava o forró como ele aprendeu em Lagoa das Canoas, interior de Alagoas, aprimorou nas Rádios Difusora de Caruaru e Jornal do Commercio do Recife, para onde veio, em meados dos anos 50, substituir Sivuca, que se transferiu para o Rio. A visão original do forró de Hermeto tinha que ter sanfona, fole de oito baixos, zabumba e triângulo. Esta instrumentação é a base em que se sustenta o repertório inteiramente assinado por ele (também autor do desenho da capa).

Hermeto Pascoal, algo que raramente faz, escreveu letras, para três músicas. Uma delas, Uriama, um xote, na voz de Alceu Valença. Marina Elali (ainda muito verde para a empreitada) canta o baião Agora Eu Quero o Instrumental. A terceira com letra é a mais interessante, O Ovo, a primeira composição gravada de Hermeto Pascoal com o Quarteto Novo. A letra, bem humorada, ganha uma ótima a interpretação de João Cláudio Moreno. As letras dele trazem nos versos a mesma liberdade com que cria temas instrumentais. “Tenho uma galinha que põe/cem ovos por mês, mas não/consigo entender porque vem/três de cada vez/no meu quintal tinha 50 mil galinhas/vendi tudo para Mariquinha/agora só fiquei com um pintinho novo/e comecei tudo de novo/com o ovo”, dizem os versos de O Ovo, uma das poucas que chegaram perto do sucesso popular.

Mas não se espere forró de pé-de-serra tradicional. Já àquelas alturas, Hermeto Pascoal tinha avançado tanto nas suas alquimias musicais que mesmo o mais simples deles está eivado de experimentações. No aparentemente convencional baião De Natal a Mossoró, com viola e guitarra do recifense Heraldo do Monte, a sanfona foi incrementada com efeitos. A faixa poderia estar num disco “normal” de Hermeto. A faixa seguinte a O Ovo intitula-se A Ova, uma variação da melodia de O Ovo, um arrasta-pé feito para dançar.

Com Hermeto Pascoal estão Raminho (zabumba), Itiberê Camargo (contrabaixo), Fábio Pascoal (percussão), Wellington (bateria), Vinicius Dorin (flauta e sax), Heraldo do Monte toca guitarra ou viola em 15 faixas. Os vocais de apoio é do grupo Coral Tony Dias, formado por Tony Dias, Ângela Luz, Sandro, Cláudia Beija, Tel Aragão, Carlos, Rosana Simpson e Bruno Simpson.

No forró de Hermeto não poderia faltar um frevo, e aqui ele presta sua homenagem à Rádio Jornal do Commercio em Pernambuco Falando Para o Mundo, o célebre slogan da emissora (ainda hoje usado), que foi alvo de gozação na época, como mais um demonstração da mania de grandeza dos pernambucanos. Mas, na verdade, a radio tinha na época um dos transmissores mais poderosos do planeta, e até uma ex-locutora da BBC, a canadense Jane Slater, que fazia programas especiais em inglês.

PÉ-DE-BODE

É atribuída a Hermeto Pascoal a frase “Se o matuto soubesse o quanto é difícil tocar sanfona de oito baixos não tocaria”. O matuto Hermeto só soube deste detalhe quando já era famoso. Teve, então, bastante tempo de aprender a manejar com perícia um pé-de-bode. É o que demonstra em Forró na Toca, um arrasta-pé com um solo digno dos grandes do gênero, como Abdias, Geraldo Correa ou Zé Calixto, não por acaso três paraibanos, também não por acaso esquecidos pelos que montam as grades da programação junina no Nordeste.

Assim como já foi comum no frevo, Hermeto Pascoal compôs temas batizados com o nome de amigos. Um desses é o paranaense Adelzon Alves, uma lenda do rádio carioca, também produtor de discos, o xaxado Adelzon Alves no Forró. Tem ainda Forró Para Vovó Rosa Maria , Sivucando no Frevo e Academia de Forró do Frei Raimundo. Este último trata-se do produtor Raimundo Campos, idealizador deste projeto, concebido como uma homenagem a Luiz Gonzaga, nos dez anos de sua morte (acontecida em 2 de agosto de 1989).

O disco termina com cantoria de viola, com a dupla Rogério Menezes e Raimundo Caetano, que adaptam Brasil Caboclo, de Mãe Preta e Pai João ao estilo de Hermeto Pascoal, que faz percussão com mesa-bumba e copo d’água (sic),com falas de Raimundo Campos e Rosa Maria, mais o reforço da viola de Heraldo do Monte. Para Hermeto Pascoal gravar forró não mostra apenas que ele mantém as lembranças de suas origens: “Minha cabeça é universal. Não nasci para tocar só clássico ou só jazz. Quem anda sempre na linha é trem”. O melhor disco de forró desta temporada junina de 2018.

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