MÚSICA

Soledad e Vitor Colares cantam o lado escuro de Forteleza em novos discos

Com participação de Catatau, os músicos refletem as mudanças da cidade de Fagner, Belchior e Ednardo

GG ALBUQUERQUE
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GG ALBUQUERQUE
Publicado em 29/03/2017 às 10:19
Foto: Clara Capelo/ Divulgação
Com participação de Catatau, os músicos refletem as mudanças da cidade de Fagner, Belchior e Ednardo - FOTO: Foto: Clara Capelo/ Divulgação
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“Fortaleza eu te conheço/ Desde o dia em que eu nasci/ Foi-se o tempo de criança e tudo que eu aprendi”, cantou Fernando Catatau em Fortaleza, anunciando a perda da inocência e a desesperança da cidade em tempos pós-Belchior, Fagner e Ednardo. O sentimento cantado pelo Cidadão Instigado em seu álbum de 2015 é conjugado também por uma série de trabalhos de outros artistas, desde Lado Turvo, Lugares Inquietos (2016), da banda Máquinas, aos recém-lançados álbuns da cantora Soledad e do músico, cantor e compositor Vitor Colares.

“Acho que são álbuns que estão observando o crescimento desenfreado de Fortaleza e como isso nos afeta enquanto pessoa”, diz Vitor, que lança Eu Entendo a Noite Como um Oceano que Banha de Sombras o Mundo de Sol (Banana Records/SuburbanaCo., com download liberado). “Aquela cidade de onde saiu a geração de compositores cearenses mais conhecidos (Belchior, Ednardo e Fagner) já era. As velas do Mucuripe estão muito mais no que sobrou do imaginário sobre elas do que na realidade atualmente. A realidade é outra. E aí, acho que é aí onde estes discos atuais se encontram”, analisa.

Citando influências de Zé Ramalho (como denota o título extraído de um verso de Beira-Mar), Jards Macalé, Tom Zé, Jorge Mautner, Capinam e do conterrâneo Rodger Rogério, Vitor construiu um álbum melancólico e com tons escuros. Carnaval resume o espírito: “Hoje a noite eu vou sair/ Vestindo solidão”.

A atriz e cantora Soledad aproxima-se de todas essas ideias. Das oito faixas que compõem seu álbum de estreia (lançado pelo selo paulista EAEO e entitulado com seu nome), quatro são composições feitas e gravadas por Vitor, que ainda tocou guitarra no disco. “Somos muito próximos e muito parecidos sentimentalmente. As músicas que ele traz me representam muito. É uma intimidade muito grande. Sempre questionavam: ‘você vai lançar as mesmas músicas que o vitor vai lançar?’ Mas a gente sempre conversou, a música é tanto dele quanto minha e cada um foi vendo do seu jeito”, diz Soledad.

Apesar de 50% do repertório dos discos ser igual, os dois artistas mostram personalidade própria e trilham caminhos diferentes. O disco de Vitor é mais sombrio e solitário, acentuado pela sua voz crua – com destaque para Vermelho Azuzim, uma canção singela sobre o pôr do sol em parceria com Juliane Peixoto. Por sua vez, Soledad e sua voz macia, polida, por vezes lânguida, parece captar algum brilho ou estímulo no ar – atingindo o ápice em Jardim Suspenso, parceria de Vitor com Daniel Groove. “Eu não diria que é mais solar, mas é a luz do luar, algo mais melancólico. Tem essa relação com a solidão, mas a lua também tem um brilho, existe um tesão de todos pela lua, é mais do que solar. Sorturno, eu diria”, comenta Soledad.

Cidadão Instigado e Catatau são referências

Além do repertório, os discos têm outro ponto em comum: a participação da guitarra de Fernando Catatau. Com Vitor, ele toca em Jardim Suspenso e Carnaval. Com Soledad, ele faz um solo caracteristicamente seu na mesma Jardim Suspenso. Vitor elogia o Cidadão Instigado e seu “jeito que não-reverencia, nem reinvindica, esse status de figurão e prefere dialogar conosco”.


“Fernando voltou a morar em Fortaleza e isso trouxe mais pra perto ainda de mim e da Soledad, que já o conhecíamos de antes. Tem também uma postura artística, principalmente por parte dele, que é um cara muito convicto de suas coisas. Teve que dar muito gás e acreditar muito que ia dar certo pra que o Cidadão tenha chegado até aqui, nesses vinte anos”, comenta.

“Hoje, eles (os músicos da Cidadão Instigado) são grande influência pra galera daqui”, continua. “Não só daqui, na verdade. Mas acho que muito do que vemos hoje em dia nesses discos – o do Máquinas, o do Cidadão, o meu e Soledad. E não só neles. Em muito do que ouvimos e captamos enquanto pessoas nascidas aqui no Nordeste e a forma como captamos é graças ao Chico Science. Acho que devemos muito a ele. Foi alguém que olhou pra uma cidade do Nordeste, a que ele pertence e pertence a ele simultaneamente, e preferiu ver suas contradições e acinzentamentos do que olhar pra praia simplesmente. Lógico que também o Chico não inventou nada, mas ele comeu muita coisa, digeriu e colocou pra fora algo genuíno. A Tropicália, principalmente, também já havia feito isso. Atualizou. São ciclos de re-existência”, conclui.

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