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Na década de 1970, quando a saúde do poeta e compositor carioca Vinicius de Moraes sofria com o peso de anos de excessos, o médico Clementino Fraga recomendou ao poeta caminhadas, para combater a diabetes e emagrecer. O poetinha, disse, então, que não poderia cumprir a recomendação por um pacto feito mais de dez anos atrás. E contou a história: estava em uma das viradas de noite com o escritor e compositor pernambucano Antonio Maria quando viu um grupo de idosos penosamente se exercitando. “Veja como eles são ridículos”, afirmou Vinicius. “Quero fazer contigo o pacto de que, daqui para a frente, jamais faremos qualquer tipo de esforço inútil”.
A promessa é um bom exemplo do tom da amizade entre os dois bon vivants no Rio de Janeiro. Eram dois espíritos boêmios, apaixonados pela vida como poucos. Para acompanhar o ritmo de Maria, só Vinicius, e o oposto também era verdade. “Eram almas gêmeas”, define José Castello, biógrafo do poeta, ao JC. “Viviam plenamente, poeticamente e até magicamente”.
O escritor Nelson Caldas Filho, Nelsinho, sobrinho de Antonio Maria, conta que ambos foram, de fato, melhores amigos. “Os dois não tinham limite, bebiam muito juntos. Quando se juntavam com Baden Powell, acabavam com três garrafas de whisky em bem pouco tempo”, lembra Nelson, que pesquisa a história do tio para fazer um filme.
Um das história famosas, relatadas por Castello em Vinicius de Moraes, o poeta da paixão, é a das “48h de Paris”, quando os dois viraram duas noites acordados, bebendo e caminhando pela capital francesa. Quando o pileque batia, Vinicius gostava de fingir desmaios para descansar um pouco; Antonio Maria o titulou então de “Ph.D em desmaio".
A alcunha dada pelo pernambucano que pegou, no entanto, foi uma bem mais carinhosa: poetinha. O compositor e escritor, por sua vez, era “o meu Maria”. “Tem cartas em que parecem até namorados um do outro, com pedidos de desculpa e chororôs”, diz Castello.
Um dos motivos de disputas entre os dois eram as mulheres. “Brigavam e depois escreviam essas cartas de amor um para o outro pedindo perdão, escrevendo: ‘Não é possível que a gente vá brigar por mulher’, etc”, conta Nelson. “A diferença entre os dois é que, nessa busca por mulheres, Vinicius casava com as que encontrava, e Antonio Maria não. Ele era casado com minha tia, uma mulher muito elegante, filha de usineiros, que aguentou firme esses trancos todos”, relata o Nelsinho Caldas. “Ela era amiga de Vinicius também. Eu tenho certeza que ele deu em cima da minha tia. Isso gerou briga porque era mulher do amigo, já era algo que ultrapassava os limites”, recorda, lembrando que o problema depois foi superado. “Talvez Antonio Maria ainda fosse mais galanteador que Vinicius”.
Depois da morte do amigo, em outubro de 1964, Vinicius escreveu sobre o luto e, como conta Castello, recebeu a visita de um passarinho. Logo teve certeza: era Maria que vinha visitá-lo. No mesmo dia, viu o fantasma do amigo falecido encostado em um tronco e, instantes depois, sentou à mesa e começa a psicografar uma entrevista com o colega. Homenagem, delírio ou brincadeira, a amizade continuaria após à morte, tão forte quantos as paixões do poeta.
Leia a matéria completa no Jornal do Commercio deste sábado (19/10)
